sexta-feira, 8 de maio de 2020

Consciencia de ser velho


O ser humano, no seu percurso de vida desde o seu nascimento até á inevitável morte, passa por vários estádios.
Todos eles têm as suas formas próprias, variando, necessariamente com diversos factores de ordem social e que, em função disso, caracterizarão a qualidade de todo o percurso da própria vida.
Uma das fases que mais nos obriga a reflexões é sem dúvida a chamada terceira idade.
Por razões óbvias, a partir de determinada altura, muitos  dos seres humanos poderão usufruir de mais tempo livre para, por assim dizer, viverem o que lhes resta de uma forma calma e sem a necessidade imperiosa de continuação do que, anteriormente, foi uma vida de trabalho, com todas as preocupações daí resultantes.
Admitindo que a degradação física e mental se fará lenta, poder-se-á pensar que a compensação por uma vida inteira de canseira, poderá ser recompensada nesta fase. No entanto e por mais que a ciência vá aumentando a chamada esperança de vida, inevitavelmente chegará o dia da partida.
A questão que se poderá colocar nesta fase, tem a ver com a consciência de cada um de nós em admitir a velhice com todas as suas contrariedades.
Assim sendo e com alguns exemplos que se nos têm deparado ao longo dos tempos, assistimos a pessoas com longos anos de existencia e, no entanto, com uma actividade invejável, como se a idade tivesse parado para eles, (Fernando Pessa , Manuel de Oliveira, etc.).
Porém, a doença e por vezes as condições degradantes de muitos, faz-nos pensar se ter consciência dessa mesma vida será ou não uma vantagem.
Muitas vezes a demência, que notoriamente provoca mau estar a quem os rodeia, será porventura uma forma de que  a natureza se muniu para atenuar o sofrimento desses seres e, dessa forma, “amenizar”  o próprio sofrimento.

domingo, 19 de abril de 2020

O POMBO PRETO

                                                      
        
Tinha eu vinte anos e não tinha vinte “paus” no bolso, quando me aconteceu o que lhes vou contar.
Preocupava-me com o 1º ano de Letras, aos tombos com a Literatura Inglesa; tinha garantida a subsistência de um mês com a paternal mesada; possuía as solas do meu par de sapatos com promessas de longos dias de vida; vivia feliz e sem cuidados.
 Não tinha grandes dinheiros, comodidades eram normais e poucos luxos; mas tinha vinte anos, um coração alegre, 32 dentes afiados para o que desse e viesse ao prato, um estômago que digeria os alimentos de... empreitada, que me forneciam pernas de ferro e saúde do mesmo metal...Que mais se pode querer aos vinte anos?
E, para cúmulo da felicidade, tinha a janela das águas furtadas, janela cujas portas já não sabiam fechar-se, porque os gonzos, por falta de exercício, tinham perdido o movimento.
Não sei se, mais tarde, alguém se lembrou de curar aquela paralisia dos gonzos.
Que janela mágica!
Que noites de Julho passadas a essa janela em mangas de camisa, com as costas obstinadamente voltadas para o candeeiro e sobretudo para o compêndio, que adormecera aberto, desesperando de me fazer dormir a mim!
Por uma dessas noites, encostado ao peitoril, deixava eu errar a vista  pela floresta de chaminés, que se destacavam no ar, sobre os telhados das casas que dali se viam, e corria-me á rédea solta a vagabunda, “a folle du logis” – a imaginação, enfim.
Quem, depois de duas horas de meditação, poderá narrar por ordem, todas as loucuras, que me atravessaram o cérebro?
Ao cabo de longo cismar, os meus olhos começaram a contar as luxes que brilhavam como pirilampos, no fundo negro das casas.
Pouco a pouco essas luzes foram-se extinguindo, uma a uma, e ficaram apenas duas, em pontos diametralmente opostos e a enorme distância uma da outra.
A quem alumiarão? Serão costureiras? Pobres pequenas! Será desgraçado poeta, tão alheio ao século, ás voltas com uma estrofe? Serão mães, que velam filhos doentes, criminosos, a quem as trevas engrossam o remorso? Serão... o que quiserem ser! – bradei eu de repente, agarrando a tresloucada cabeça, que parava a tomar fôlego para novas correrias. Não há remédio! – disse eu, espreguiçando-me; e ia a  retirar-me da janela, quando vi que uma das luzes se movia.
Era meia-noite.
A luz continuou a mover-se e acabou por aparecer francamente à janela a que assomava um vulto, que eu não podia distinguir se era de homem, se de mulher.
Lançando instintivamente os olhos para a outra janela, notei o mesmo manejo de luz e verifiquei a aparição de outro vulto! Cheguei á conclusão que, decididamente, aquelas duas janelas entendem-se!
Estava eu estudando aquela telegrafia, quando um ligeiro ruído me chamou a atenção.
Investiguei o espaço e vi um pequeno ponto negro que se dirigia para mim.
Será um morcego?
Receoso do repelente contacto, recuei, mas o vulto negro, em vez de bater nos vidros da janela, entrou por ela dentro, esbarrando-se contra a parede fronteira, caindo de chofre sobre a minha cama.
Peguei no candeeiro que me iluminava o livro de estudo e caminhei um pouco para o presumível inimigo...
A luz espalhou-se sobre a cama.
Que lindo pombo preto!
E era, realmente, um lindo pombo-correio.
O pobrezinho estava tão cansado, que se deixou apanhar, sem reagir.
Pousei o candeeiro sobre a mesa e pus-me a analisar o visitante.
De repente, os meus dedos, introduzindo-se por baixo de uma das asas, encontraram um corpo estranho: era um papel atado por uma linha.
Apoderei-me do bilhete, apesar de duas picadelas  que o fiel mensageiro me deu, em defesa do que ele, naturalmente, considerava depósito sagrado.
Soltei o pombo, que voou para a janela, onde se empoleirou, e abri o bilhete.
Eis o seu conteúdo:

“ Elisa:
“ Foi mais um dia perdido!... Tudo se conspira contra nós e começo a perder a esperança de conseguir o que tua mãe exige de mim, para consentir a nossa felicidade”
“ Que mais te hei-de eu dizer, se, no pouco que ai fica dito, te causo uma noite de insónia e de lágrimas!?”
“ Adeus!... Amo-te – António”
Quem será este António?... E quem será aquela Elisa?... – perguntava eu, voltado para o pombo, que me mirava, espantado, com os seus olhinhos inteligentes. Deixo partir o “carteiro”... não deixo...
Comecei eu a dizer de mim para mim.
Acerquei-me da janela. Uma das luzes tinha desaparecido; a outra movia-se agitada por mão assustada e ansiosa.
Compreendo – “rosnei” eu. O senhor António escreveu aquela choradeira, mandou-a ao correio, fechou a janela, apagou a luz e já está a dormir como um porco, enquanto que a pobre da rapariga está ali a mirrar-se, desesperadinha, agitando o farol, na esperança de atraír o pombo transviado. Um atentado contra o direito das pessoas! Soltemos o pombo!...
Anda cá, pequenino – continuei, ameigando a voz para não o assustar. Tu terás fome?...
Dei-lhe de comer e não fez cerimónia. Em seguida bebeu um pouco.
Depois peguei nele, amarrei de novo o bilhete debaixo da asa, abri a janela e soltei-o.
Passados instantes, a luz retirava-se e desaparecia. A “mala” tinha chegado ao seu destino.
Só muito para a madrugada consegui adormecer.
Quando acordei e vi os restos do pão que tinha dado ao pombo, saltei da cama e corri à janela. Por mais que fiz, não pude dizer com certeza quais eram as casas em que vira brilhar as luzes.
Fiquei logo de mau humor. Vesti-me, almocei á pressa e fui para as aulas.
O professor chama-me, dou um estanderete monumental.
Raios partam o pombo!
Andei todo o dia de candeias ás avessas.
Á noite não  saí, e pus-me á janela.
Que grande azar!... Havia luz em todas as casas.
Esta cambada não tem sono! – pensava eu. Ide pr’a cama, imbecis!...
Afinal, como na véspera, as luzes foram-se sumindo uma a uma, e ficaram apenas as duas.
O pombo não vem... Foi um acaso do pombo... – dizia eu por entre dentes, em resposta à voz secreta que me dizia o contrário.
De repente, as luzes começaram a repetir a dança da véspera...
Subitamente, o pombo entrava sem hesitação e voava direito ás migalhas de pão.
Dizia assim a resposta da Elisa:

“António:
Não imaginas os transes por que me fez passar o nosso confidente!... Levou-lhe meia hora a chegar!...”
“ Se queres que te diga... Tenho hoje receio  de te escrever com a franqueza do costume, porque já pela demora, já pela maneira diferente por que vinha amarrado o teu bilhete, desconfio que o pombo foi detido na passagem...”

( Oh! Diabo! – exclamei eu, vendo-me descoberto).

“ Coragem, António!... Não desanimes!... A exigência da minha mãe é fundada num louvável sentimento de previdência...”
“ Pode levar tempo a realizar o nosso desejo,  mas... não temos nós confiança bastante um no outro?... Se o pombo se desviasse outra vez... Se alguém lesse isto...”
“ Nem me atrevo a escrever mais...”
“ Adeus! Amo-te – Elisa”
Pobre rapariga!... Compreendi o pudor daquela alma, ao saber-se devassada, mas... o mal estava feito.
Tornei a soltar o mensageiro.
No dia seguinte interceptei o seguinte bilhete:

“Elisa:
O pombo também na volta se demorou mais do que o costume.
Se é uma senhora quem se entrega ao mesquinho prazer de nos angustiar, espero que, ao ler estas linhas, se lembrará  que despreza todos os ditames da delicadeza.
Se é um homem, dir-lhe-ei que é ridícula essa curiosidade e criminosa por ser satisfeita na sombra e com a certeza da impunidade.
Esta mensagem, é mais para ser lida por quem interceptou as outras do que escrita para ti.

 – António.

O sangue tingiu-me as faces, a consciência aceitou a censura; mas eu tinha vinte anos que se viram contrafeitos e tive a cruel coragem de escrever na mesma carta de António as seguintes palavras:

 “Exmª Snrª:
Não sei se V.Exª gosta de pombo com ervilhas...
Ou V.Exª convence o António a contar-me o começo destes amores, a instruir-me sobre a educação dos pombos a voarem de noite, coisa que eu nunca vi antes, e a comunicar-me a exigência  de cuja realização depende o consentimento de sua Exmª mãe, ou, na volta do correio, depois de amanhã, mando comprar as ervilhas.”
No dia seguinte, o mensageiro reconduzia a carta de António, em que eu escrevera o que acima fica, sem um único comentário da jovem .
Elisa deixava a António a decisão de tão momentoso assunto.
Á noite recebia eu a seguinte carta do pobre namorado e mais uma vez trazida pelo pombo.

“Senhor

Juro que dava anos de vida para conhecer quem assim se atravessa entre duas almas que, receosa da terra e dos homens, se comunicam por intermédio da inocência de um pombo e através dos espaços do céu.”
“ O senhor foi cruel!...
“ Eu fui talvez inconveniente: devia lembrar-me que quem tem a coragem de forçar um segredo, mal poderia aceitar a censura que por tal abuso lhe fizessem...”
“ Andei mal, ando hoje pior em me mostrar independente, quando o amor e o sossego de quem amo me aconselham o papel de suplicante.”
“ Não posso!... Um sentimento, a que o senhor me parece alheio – a dignidade – não permite.”
“ Quer conhecer a história do nosso amor?... Vou contar-lha!

“ Leia.

“ Por uma amena tarde de Verão – haverá dois anos – estava eu no meu quarto, em convalescença de prolongada doença, quando, pela janela entrou o pombo que o senhor conhece.”
“ Aborrecido e buscando em vão distrair-me, atravessou-me uma ideia o cérebro.”
“ Ergui-me, fechei a janela e escrevi numa folha de papel:
“ Se, na casa onde a estas horas choram talvez a tua ausência, há uma mulher jovem e bela, leva-lhe os votos de ventura de um coração que ainda não amou!..
“ Agarrei o pombo e confiei-lhe a.. pieguice, que acaba de ler.”
“ No dia seguinte, com espanto meu, entrava o pombo, como na véspera, portador desta resposta:

“ Uma mulher jovem, a quem ainda ninguém disse que era bela, agradece a restituição do “Preto” cuja ausência lamentava e retribui os votos de ventura.”
“ Assim se travou uma correspondência que durou cerca de dois meses, sem que a palavra “Amor” fosse empregada de parte a parte.”
“ Ao cabo de dois meses, pedi á minha incógnita correspondente que me dissesse onde podia vê-la.”
“ Depois de muitas cartas trocadas, em que eu insistia e ela recusava, veio uma em que me marcava a missa das onze, no domingo seguinte e me daria sinais certos para a reconhecer.”

Fui.
“ Não posso descrever a ansiedade que me torturava!...”
“ E se era feia!?...”
“ Era, aliás, é uma formosura!”
“ Que doce prazer me arrebatava a alma, vendo-a ali , de joelhos, estudando ansiosa o rosto de todos os rapazes, sem me poder ver a mim, que a estava observando, encoberto pelo reposteiro!”
“ A missa acabou; ela ergueu-se, e, ao passar junto de mim, murmurei em voz abafada: “Obrigado!...”
“ Elisa não pôde reter  um pequeno grito; as faces tingiram-se-lhe de vermelho e, lançando-me um olhar entre assustado e curioso, aconchegou-se á mãe e saiu.”
“ Escusado é dizer que a segui.”
“ Começaram então a falar de amor as nossas cartas transportadas pelo pombo.”
“ Eu era contabilista de uma casa respeitável e tinha um ordenado subido.”
“ Entendi que não seria repelido, e encarreguei um amigo meu de pedir à mãe a mão da Elisa.”
“ A mãe acolheu-me perfeitamente, tratávamos já das  mil pequeninas coisas necessárias a quem põe casa, embora modesta, quando, haverá um ano, o comerciante que eu servia morreu de repente.”
“ Os herdeiros liquidaram o negócio e eu fiquei... e estou desempregado.”
Depois disso a mãe teve a seguinte conversa comigo:
“ António!... Sei que é um rapaz trabalhador e honrado, pois, se o não soubesse, não lhe daria a minha filha”
“ Sabe que só á força de economia consigo sustentar a ela e a mim, com a modesta pensão que recebo do estado?”
“ Enquanto o António não arranjar novo emprego, não é possível pensar em casamento.
“ E – continuou ela – perdoe-me o mal que vou fazer-lhe, mas é preciso que o António deixe de vir a minha casa.
“ Somos duas mulheres; o mundo é mau, pode este casamento não chegar a realizar-se...È preciso que deixe de vir aqui!”
“ Protestos, rogos, lágrimas, tudo tem sido baldado!”
“ A mãe da Elisa é inabalável e as minhas economias desaparecem, fazendo-me antever a miséria num futuro pouco distante.”
“ Aí tem a minha história!”
“ Faça o que entender!”
“ O pobre pombo contraiu relações novas... Depende de si roubar a duas almas, a única felicidade que lhes resta, fazendo desaparecer o único meio de comunicação que as liga.”
“ Não imploro, resigno-me! – António
Não é preciso explicar-lhes o remorso que senti!
Corri á mesa e escrevi o seguinte:
“ Perdão para os meus vinte anos!...”
“ Juro-lhe que o pombo  entrará no meu quarto e sairá dele, sem que a minha mão lhe torne a tocar!”
“ Peça ao António que me perdoe.”
No dia seguinte, “O Preto” entrava no quarto, trazendo dois bilhetes, amarrados por fora das asas.
Um deles dizia: -“ Para o desconhecido”
Abri-o avidamente e li esta única palavra: “ Obrigado!”
No dia imediato, o pombo igualmente dois bilhetes, presos da mesma forma.
Peguei no que me era dirigido e li:
“ O senhor é bom... Enganei-me... Perdoe-me!

 António

E o pombo continuou a vir todos os dias ao milho e ás migalhas.
Fiel á minha palavra, nunca mais tentei devassar os segredos confiados ao voo possante do “Preto” e só, de tempos a tempos, a oferta de uma flor ou uma palavra de gratidão vinham pagar-me a discrição.
Durante esse período da minha vida, costumava relacionar-me com uma família inglesa  onde o seu chefe era deveras meu amigo e, se mais vezes  não me aproveitava dos frequentes convites que me fazia, para ir jantar com ele e com, “miss” Alice, sua filha, era porque não queria tornar-me maçador.
Numa das várias vezes que visitei o senhor Gibson, este perguntou-me:
Você nunca assistiu a um funeral protestante?
Funerais não são do meu agrado...nem de ninguém. Respondi-lhe que não.
Pois se quiser, pode assistir hoje á tarde... Ás quatro horas enterra-se o meu contabilista, coitado.
Claro que não fui ao enterro. Era o que faltava.
Á noite estava no meu quarto a pôr uma gravata preta para visitar os meus amigos ingleses, quando o pombo entrou.
Chovia a cântaros, e o pobre do “Preto”, antes de comer os primeiros grãos de milho, sacudiu as penas três vezes e pareceu agradecer-me o carinho com que o acolhi no meu quarto.
Quando, passados minutos, o obriguei a partir e vi as duas luzes, não pude deixar de dizer:
Quanto tempo mais durará ainda aquele penar?.
Não virá um dia em que baste uma luz para ambos?...
Nisto tive uma ideia e, dando uma palmada na testa, exclamei:
Oh! Mas que ideia!
Fui-me deitar reconfortado com a ideia que tinha tido.
Ás quatro horas da tarde do dia seguinte, batia á porta do senhor Gibson.
O criado indicou-me que ele não demorava e que a menina Alice andava no jardim.
A nossa conversa cifrava-se, quase sempre, num esgrimir de ironias, tendentes a demonstrar a vantagem  que havia em ter nascido português ou inglês.
Apresentei-me a “miss” Alice com  desusada gravidade, pois que contava com ela, para realizar a ideia que me ocorrera na véspera.
Você que tem?... Hoje o seu aspecto é sério... quase inglês! – perguntou ela.
Estou muito triste – respondi eu.
Ora deixe-se disso que não me convence.
Contei-lhe a história inteirinha dos dois enamorados e do pombo, Ela, com o seu ar puramente inglês, só me disse: “ Schocking”!
Mas o que é que eu tenho a ver com essa história? – perguntou ela.
Ajude-ma numa boa acção!
Os olhos de Alice, até ali cravados no chão, ergueram-se radiantes, os lábios abriram-se e murmuraram simplesmente:
Diga!
Faça com que o seu pai contrate o António para o lugar de contabilista – respondi eu.
Oh! Que feliz ideia! Vou já falar com ele.
E partiu a correr, ligeira como uma gazela.
Já lhe falei! – disse ela passados quinze minutes.
Três dias depois, amarrava eu com  inexplicável prazer á asa do pombo, um bilhete nestes termos:
“ Pode o António apresentar-se aos senhores  Norris & Camp; Cª por quem será admitido como contabilista.
A carta, em que o António me participava que tinha sido admitido, terminava assim:
“ Graças a si, meu desconhecido amigo, antevejo um futuro de felicidade!... Escrevi à mãe da Elisa, e a senhora permite que lá vá hoje á noite e fixar o dia do nosso casamento,”
“ Sou completamente feliz, meu amigo!... Completamente, não. Não hei-de eu agora conhecê-lo? Já agora seja bom em tudo... Diga-me o seu nome!”
Consultei a “miss” Alice e proibiu-me terminantemente que me desse a conhecer. Agradava-lhe o mistério... Segui o seu conselho e recusei satisfazer o justo desejo do António e da Elisa.
Mr. Gibson, a pedido meu, proporcionou-me ocasião de ir ao seu escritório.
Perguntei pelo contabilista.
Era um rapaz com boa aparência e com ar de inteligente.
Retirei-me satisfeito com ele e comigo.
“ O pombo – seja dito em louvor da gratidão dos dois namorados, finalmente unidos – não deixou uma única noite de vir visitar-me, trazendo-me sempre palavras de reconhecimento.
Passado um ano, foi ele portador da seguinte mensagem:
“ Meu bom amigo!”
Informamo-lo que acabamos de ter uma filha e eu fiz voto de que não seria baptizada, se o senhor se recusasse a servir-lhe de padrinho... Responda, por favor! Elisa.
Tornei a ir consultar o meu ”advogado”,  a formosa inglesa.
E agora... Não há remédio! – respondeu ela.
O pombo “preto” foi portador do meu consentimento.
No dia seguinte, apresentava-me em casa de António e Elisa.
Oito dias depois, na igreja das redondezas, perguntava o abade:
Alice, “vis baptizari”?
E eu, padrinho, respondia :
“Volo”.
E o resto da assistência, respondia:
“Bolo”

E está acabada a história.

 P.S. – “O Preto” foi durante dois anos portador dos convites que me fazia o António e a Elisa para ir jantar com eles.

Numa dessas corridas, chegou a casa atordoado, voou duas vezes à volta do quarto deles e foi cair morto sobre o berço da pequenina, penhor da felicidade dos dois, felicidade que só a ele era devida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                                                            

domingo, 18 de janeiro de 2009

COLUMBOFILIA : Espelho da nação?

Por muito que custe a qualquer cidadão português que se preze, não há lugar nenhum onde sempre se criticaram políticos, leis, regras, procedimentos, responsáveis por isto ou aquilo, enfim, duma maneira geral sempre há descontentamento com situações de actualidade.
Na maior parte das vezes, tenho que concordar que existem razões suficientes para todo esse desagrado. Veja-se em que situação está o país onde, com tantos anos de pós revolução, em que quase nada os portugueses se poderão orgulhar de pertencerem a esta terra, muito por culpa dos políticos que, ao longo de tantos anos nos têm governado.
Se, entretanto, analisarmos bem a situação, chegamos á triste conclusão, que todos nós só temos a política que queremos, ou não estejamos em democracia e com todas as possibilidades que daí podemos usufruir para, rapidamente, podermos escolher aqueles e aquela política que mais nos interesse.
O problema é que, na hora da verdade, tudo fica como dantes, ou seja, os portugueses até gostam do que é mal feito para, quem sabe, trdicionalmente continuarem a dizer mal do que se vai fazendo.
Na columbofilia tem sido, ao longo dos anos, rigorosamente a mesma coisa. Toda a gente sente que este marasmo em que se caiu não interessa a ninguém, passamos a vida a dizer mal de tudo e de todos, cada um para seu lado mas, mudar... nem por isso.
Não estive presente nas Jornadas das Caldas da Rainha, embora para isso tenha sido convidado. No entanto, pelo que me foi dado constatar, também não fiz falta nenhuma, a julgar pelo que lá se passou, especialmente pelas intervenções de alguns, (só mesmo alguns) "faladores".
Como me compete, tive interesse em ler um resumo do que foram as ditas jornadas e embora a iniciativa da federação tivesse sido louvavelmente das melhores, assim o espero pelo menos, não vi grande interesse nas conclusões finais e nada de importante irá ser alterado no futuro.
Os columbófilos portugueses, tal como a maioria da população, passa a vida a dizer mal de tudo e de todos mas na hora de mudar prefere que tudo permaneça igual e até volta a criticar quem pretendeu mudar, mesmo sem sequer saber se a mudança o iria ou não favorecer e sobretudo sem sequer pretender provar e saborear a mudança.
Há mais de 30 anos, tive oportunidade de efectuar um campeonato inédito numa colectividade onde, nessa altura, era responsável. Tratou-se de um campeonato por tempos, ou seja, por soma das médias por minuto obtidas pelos dois primeiros pombos de cada concorrente. Foi um autêntico sucesso e tem sido sempre que o faço.
Uma vez que um pombo que ganha um concurso é aquele que percorre a distãncia em menos tempo, para ganhar um campeonato deveria ser o que percorre o conjunto dos concursos desse campeonato também em menos tempo. Tão simples como isto!
Para tal, bastaria somar as médias por minuto obtidas pelos pombos e no final, ganharia o que obtivesse a melhor média geral de todo o campeonato.
A obrigatoriedade de somar as médias e não os tempos de voo gastos, facilmente se entende pelo facto de os pombos partirem todos do mesmo local mas não chegarem todos ao memo sítio. Só assim se justifica somar as médias e não os tempos de voo.
Apesar da simplicidade e honestidade desta forma de "pontuação", muitos cavalheiros discordam, embora até hoje ainda ninguém explicou com seriedade as razões dessa doiscordãncia. Discordam porque lhes apetece ou porque o autor da ideia não lhes agrada.
Alguns deles falam do chamado "pombo aos trambolhões". Eu explico:
Como todos nós sabemos, volta e meia acontecem concursos irregulares, com mau tempo, onde os pombos chegam compassados. Muitas vezes, nesses concursos, ganham pombos que ao longo dos tempos, sempre se mostraram ser uns autênticos inúteis. No entanto, mesmo numa contagem tradicional de pontos, isso também acontece e, que eu saiba, nunca ninguém veio dizer que o cuncurso não valeu e tem que ser anulado porque o pombo que o ganhou era um "nabo". Contam rigorosamente na mesma, independentemente de o pombo ter ganho com um segundo de avanço em relação ao imediatamente a seguir ou com uma hora de diferença.
Por mais que um concurso desta natureza seja duro de "engolir", nunca foi anulado por essa ou qualquer outra razão. É nessa altura que, numa classificação por soma das médias, os tais "cavalheiros" vêm dizer que, num desses concursos irregulares, vem um "pombo aos trambolhões" e de repente o seu proprietário passa para primeiro lugar num abrir e fechar de olhos. E depois? Pergunto eu. Nesse concurso e nas circunstâncias do mesmo ele foi o melhor, mesmo não tornando nunca mais a ser.
Mais aberrante é tirar um primeiro prémio com um segundo de vantagem e ganhar um ponto e se ganhar com dez de vantagem ganhará o mesmo ponto. Honestidade? Onde?
Pois é! Tenho a felicidade de ter efectuado já muitos campeonatos desta forma e vou continuar e o sucesso foi sempre e continuará a ser uma constante, com um grau de estímulo fantástico até ao último segundo do campeonato.
Resta-me a consolação de, felizmante, haver ainda pessoas de bom senso e que fazem da seriedade uma constante na sua postura como praticantes de uma modalidade que requer, mais que qualquer outra, absoluta capacidade para respeitar os outros no seu todo.
Obrigado Senhor Vasco Oliveira e tantos outros que, sem grande esforço, entenderam tudo isto da forma mais natural e honesta.
Mário Carlos Areosa

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Era uma vez um jovem columbófilo...

Apesar das muitas apelações, determinado jovem resolveu ser columbófilo! Coisa rara hoje em dia , já que não são tão poucas como isso, as imensas formas de passar o tempo que qualquer jovem tem à sua disposição.


Construiu um pombal da maneira que melhor achou para o fazer e aqui e ali foi povoando o mesmo com borrachos oriundos das mais diversas proveniências.


Uns foram oferecidos, outros foram comprados, sabe-se lá como, porque os dinheiritos são "curtos" na juventude. De qualquer forma, no final das contas, conseguiu juntar cerca de 60 borrachos com os quais tencionava iniciar uma actividade que lhe disseram ser muito interessante e que proporcionaria imensos momentos de prazer num futuro que se esperaria fosse breve.


Seguiu todos os procedimentos que alguns amigos, já mais experientes, lhe foram explicando e eis que se chegou ao momento em que as regras para a sua primeira campanha, foram estabelecidas.


E as regras eram as seguintes:


O moço, teria que, antes de começar o primeiro concurso, entregar na sua colectividade, uma lista com 10 (dez) pombos previamente designados e com os quais iria concorrer com outros concorrentes em idênticas circunstâncias, sem nunca mais poder substituí-los por outros.


Não achou muita graça mas, regras são regras e como lhe disseram que tinha que ser assim em nome da igualdade, não discutiu e assim foi feito.


Viu-se e desejou-se para escolher os pretensos dez melhores borrachos que comporiam a sua equipa e lá fez a entrega da lista na sua colectividade.


Chegou o primeiro concurso, perdeu três borrachos. Durante a segunda semana, mais dois morreram nos fios de alta tensão. No segundo concurso perdeu mais três e no quarto concurso... os restantes.


Não seria de esperar outra coisa para quem se está a iniciar, não tem experiência e não pode, de forma alguma, conhecer as qualidades dos pombos que possui. Aliás, nem os grandes "sabichões" sabem que fará um jovem principiante destas andanças.


Conclusão:

O nosso amigo candidato a columbófilo, chegou ao 4º concurso e terminou a sua primeira campanha, sem honra nem glória, "feliz da vida", com o pombal cheio de outros borrachos mas que não os pôde enviar, em nome da igualdade e agora, como é teimoso e não tem mais nada em que passar o tempo senão de volta dos pombos, vai esperar mais 365 dias, a dar de comer e a tratar os outros borrachos que nunca chegaram a ir a lado nenhum porque não o permitiram e a mais alguns que, entretanto irá voltar a comprar ou a "mendigar" e é desta forma "brilhante" que
a columbofilia recruta a juventude para as suas fileiras.


Pois é... Naturalmente que esta história é uma grande mentira porque ninguém é parvo para se meter numa alhada destas e não é desta forma que se apela aos jovens para virem ser columbófilos em nome da igualdade.


Igualdade seria, todos levarem os pombos á colectividade em carrinhos de mão em vez de só alguns o fazerem e outros levarem-nos de "Mercedes".


Igualdade seria, todos terem um pombal condigno e não uns terem caixotes de sabão a fazer de pombal e outros autênticos palácios.


Igualdade seria, uns terem tempo para tratar convenientemente dos seus pombos e outros só o poderem fazer quando a hora de Verão o permitir.


Igualdade seria, uns terem que trabalhar 8-9 e 10 horas para se sustentarem e sustentarem a família, não restando tempo nenhum para o seu passatempo favorito e outros serem suficientemente "riquinhos" para terem todo o tempo do mundo sem precisarem de trabalhar no duro.


Igualdade seria, uns serem obrigados a andar de rabo para o ar e de raspadeira na mão, dia após dia a sentir o duro que é ser verdadeiramente amante dos pombos e outros serem columbófilos de sofá com todos os criados e mais um para fazerem tudo e mais alguma coisa.



Enfim... Igualdade seria pertencermos todos a um país gerido por gente séria e que qualquer cidadão tivesse direito a ter trabalho condigno, pago com ordenado decente, com tempo para também viver e usufruir das coisas boas da vida bem como tantas outras igualdades que deveriam existir mas são unicamente uma utopia.


Deixemo-nos de hipocrisias, porque a juventude virá se assim o entender e se outros factores que impossibilitam a sua vinda, forem superados, tais como melhores condições económicas para a população, facilidade de construção de pombais sem as aberrações das Cãmaras Municipais e tantos outros.


Muito mais importante e útil que cativar outros para se iniciarem nesta actividade,. será respeitar os que, teimosamente ainda cá se encontram, proporcionando-lhes boas condições e fazendo deste desporto uma actividade saudável, agradável sem regras absurdas e sobretudo com capacidade para premiar os que forem mesmo dignos de serem columbófilos e não marcadores de pombos como são a grande maioria.


Mário Carlos Areosa

domingo, 29 de julho de 2007

Columbofilia: Desporto Clandestino?

Desde há uns tempos a esta parte que todos os intervenientes neste desporto chamado " COLUMBOFILIA", se deparam com uma assustadora diminuição nos seus praticantes.
Todos nós sabemos que a vida está difícil para todos os portugueses, fruto, na sua maioria , da falta de agentes políticos sérios e que, verdadeiramente, se preocupem com o bem estar dos cidadãos que se propuseram dirigir.
Cada interveniente no nosso desporto sabe, com clareza, quanto custa sustentar uma colónia de pombos, com todas as despesas que a ela digam respeito.
Esta será, porventura, a razão principal do abandono da modalidade com todas as consequências daí resultantes.
Entretanto, julgo ser extremamente pertinente chamar a atenção dos gestores das estâncias superiores da columbofilia no sentido de verificarem no erro instalado desde sempre e que está a travar e ao mesmo tempo a desmotivar quem quer que seja para continuar ou vir para a columbofilia.
Como é sabido, para praticar qualquer actividade desportiva, é necessário a existência de infraestruturas: Estádios para prática de futebol, pavilhões para ginástica, andebol, basquetebol, judo etc., piscinas para natação e outros desportos, enfim uma série de locais sem os quais nenhuma actividade será possível ser praticada.
A Columbofilia, apesar de ser uma actividade "sui generis", não foge á regra e também necessita de locais próprios sem os quais é totalmente impossível a sua prática: São eles - POMBAIS.
Neste momento, 80% dos pombais portugueses estão ilegalmente construídos, á revelia das respectivas Câmaras Municipais e se porventura os seus proprietários tivessem a iniciativa em legalizá-los, uma boa percentagem, para não dizer a quase totalidade, seria inviabilizado.
De acordo com uma das regras, da qual tomei conhecimento recentemente, as autarquias proíbem a construção de anexos com mais que um andar.
Sabendo todos nós quanto é indispensável, na maioria dos casos, ter um pombal em local altaneiro para melhores entradas dos pombos, fácil será concluir que são esses os locais escolhidos pelos columbófilos para localização dos pombais, ou seja, a sua construção nesses locais, é necessariamente clandestina e passível de constantes conflitos que acabam, na sua maioria na demolição compulsiva do pombal.
Muito mais útil do que um dirigente columbófilo vir nos "suplicar" que arranjemos mais um praticante para a modalidade, seria, de imediato, haver protocolos sérios com as cãmaras municipais, no sentido de alterarem as suas regras, no que diz respeito à edificação de pombais, por forma a que toda a gente interessada deixasse de sentir medo em ser columbófilo e passasse a poder praticar um desporto que há muito é considerado clandestino.

Mário Carlos Areosa

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Lágrimas de um columbófilo

 
Tem setenta e alguns anos. Não sei ao certo.
Fui visitá-lo recentemente e como tantas outras vezes, dei com ele sentado no pombal, imóvel, pensativo e com um ar triste.
A campanha tinha acabado. Estava agora na companhia dos seus amigos pombos, a fazer o balanço da última época desportiva.
Notei-lhe uma pequena lágrima ao canto do olho.
Hesitei se havia de me afastar ou manter-me ali. Senti que estava a ser um intruso num pequeno mundo que não era, naquele momento, o meu.
Viu-me e já não me deixou sair.
Levou a mão ao bolso e com o lenço limpou a lágrima que já lhe escorria pela cara abaixo.
Pensei em nada dizer mas a amizade que nos une, obrigou-me a querer saber a causa daquela tristeza. Levou algum tempo e começou a falar...
Disse-me que estava a agradecer aos pombos os momentos felizes que, ao longo de uma vida, lhe tinham proporcionado.
Entretanto, de repente, tinha-se lembrado do Pombo Azul, do Vermelho, do Pena Branca, do cigano, do setenta e oito e de tantos outros aos quais não podia agradecer por não estarem ali. Onde estariam, não sabia. Algures por esse país fora ou em Espanha, presos onde quer que tenham entrado para mitigar a sede e de onde nunca mais os deixaram sair. Outros mortos...talvez.
A culpa não era deles. A culpa era dos homens que não lhes proporcionaram as devidas condições para regressarem e agora, quanto mais não fosse, nem para lhes agradecer os bons momentos que lhe fez passar, o podia fazer.
Levantou-se do pequeno banco onde estava sentado, respirou fundo e com um esforço, voltou a sorrir.
Nos cacifos do seu pequeno pombal, voltava a haver vida. Novos borrachos já se movimentavam e com eles o renascer de esperanças futuras.
Desejou que ao menos aqueles viessem a ter melhor sorte do que os da época anterior e que os homens de quem eles dependem, especialmente dirigentes, deixassem de ser tão maus.
Mário Carlos Areosa